Pedro Ré, de nacionalidade Portuguesa é um Professor universitário,
biólogo, amante de mergulho e de fotografia, presidente da Associação
Portuguesa de Astrônomos Amadores e tem uma ligação de décadas ao astrônomo
amador cujo observatório astronômico encontra-se instalado na sua própria casa em
Santarém - Ribatejo – Portugal. Onde garante que este é um palco privilegiado
para se observar o céu e lamenta que se gaste tanto dinheiro iluminando o céu
quando o que precisa ser iluminado é o chão que pisamos.
É ateu, graças aos padres, pontual por causa da frequência
de um colégio inglês durante a infância e considera-se uma pessoa...
“estupidamente organizada”.
ENTREVISTA
O que é que procura no céu?
A minha motivação é a fotografia. No sol está sempre tudo a
mudar enquanto numa galáxia raramente vemos modificações a não ser que tenha
explodido uma estrela, que explodiu muitas vezes antes de existir Homem na
terra e só agora chega cá a luz. É essa janela no tempo que me interessa ver.
Gosto de registar o sol, a lua, planetas, galáxias, supernovas, cometas. Não me
interessa ter fotografias muito bonitas. O que pretendo é determinar a
magnitude ou fazer determinadas medições.
Usa o telescópio todas as noites para observar o céu?
Se vivesse no campo utilizava o telescópio todos os dias.
Também é verdade que hoje, com as técnicas que existem, já não é preciso ir
para a rua. Controlo tudo remotamente pelo computador que tenho em casa. De
Inverno ou Verão.
Já descobriu ou participou na descoberta de uma nova
estrela, constelação ou planeta?
Não é que não tenha tentado. Uma das coisas que me interessa
é o estudo das supernovas. As estrelas que explodem nas galáxias e que são do
ponto de vista evolutivo, extremamente interessantes. É por existirem
supernovas que nós existimos. Nós somos poeiras das estrelas, mas também somos
filhos das supernovas porque se não houvesse essas explosões os elementos
fundamentais para a vida não existiam.
É biólogo de profissão e astrónomo amador. Há alguma ligação
entre essas duas áreas?
Para mim a ligação é a fotografia. Adoro fotografar. Faço
fotografia tanto para o trabalho de investigação na biologia como na
astronomia. Muitas das técnicas que se utilizam em processamento digital de imagem,
usam-se tanto com microscópio como com telescópio.
Descobriu a astronomia primeiro que a biologia ou foi ao
contrário?
Descobri a astronomia muito cedo. O meu pai, que era médico,
sempre se interessou por astronomia. Comprava muitos livros sobre astronomia.
Eu devia ter uns 12, 13 anos quando ele comprou um telescópio. A partir dessa
altura comecei a descobrir o mundo da astronomia através do telescópio e nunca
mais parei. Mas foi sempre um hobbie.
Mas não é um hobbie qualquer?!
Sou astrónomo amador e faço tudo por carolice, por prazer. O
que me interessa mais fotografar são galáxias, supernovas, o sol. É o que tenho
feito nos últimos tempos. Isso é que tem interesse científico e muitos desses
dados podem, e devem ser divulgados para serem trabalhados por astrónomos
profissionais. Quando os astrónomos amadores possuem equipamentos sofisticados,
como é o meu caso, os profissionais já nos solicitam observações. Isso é que me
dá gozo, participar em projetos de cooperação entre profissionais e amadores.
Algumas das minhas fotografias podem ser interessantes do ponto de vista
científico.
Consegue ver com os seus equipamentos a lixeira,
nomeadamente de satélites, que o homem colocou no espaço nos últimos anos?
Não há praticamente nenhuma vez que não apanhe um satélite
nas fotografias que faço. Mas nunca vi nenhum Óvni [Objeto Voador Não
Identificado]. Nunca vi nada que não se possa explicar.
Acredita na existência de extraterrestres?
Acredito que, de certeza, existe vida no Universo. Falar em Óvnis
é que não faz qualquer sentido. É falta de cultura científica. Se me puserem um
Óvni no laboratório eu acredito. (risos)
A lixeira que vê no espaço é mais ou menos impressionante
que a lixeira que o homem depositou no fundo dos oceanos?
No fundo dos oceanos é bem pior. A lixeira que existe no
espaço resume-se a satélites, restos de instrumentos que foram enviados para
fora da atmosfera. No fundo dos oceanos é um problema gravíssimo que não sei
como se vai resolver. Se juntarmos a isso a questão das mudanças climáticas
globais e o aumento gradual da temperatura, a situação é mesmo muito grave.
Ainda há lugares limpos nos oceanos?
Por incrível que possa parecer ainda há alguns locais onde
mergulho a muitos anos, que são completamente virgens e é um espetáculo
fantástico estar em contato com a natureza naquele estado tão puro.
“Todos os cálculos feitos pelos astrólogos estão
completamente errados”
Os astrólogos baseiam-se na teoria de que os astros
influenciam os nossos comportamentos. Isso tem alguma sustentação científica?
Todos os cálculos feitos pelos astrólogos estão
completamente errados. Por exemplo, eu nasci a 24 de Dezembro, sou do signo
Capricórnio. Se for a um dos programas de computador onde os astrólogos fazem o
Mapa Astral e verificar onde estava o sol na hora e dia em que eu nasci não
está no signo de Capricórnio. Os astrólogos não entram em consideração com uma
coisa que se chama “precessão dos equinócios”. São contas feitas de há dois mil
anos para cá e está tudo errado. A pessoa que me ajudou a nascer teve maior
influência na minha vida do que Marte ou Vénus juntos.
Acredita que se tivesse nascido noutro dia ou no mesmo dia
com uma hora de diferença, seria outra pessoa?
Isso não faz qualquer sentido. É verdade que existem pessoas
extremamente inteligentes como o Fernando Pessoa, por exemplo, que fez vários
mapas astrais, e acreditava na astrologia. Uma pessoa que tenha a mínima
formação científica não pode acreditar nessas coisas. Existe a influência de
alguns fenómenos, como a lua nas marés ou o clima, agora os astros determinarem
a vida de cada pessoa é uma crendice. Tenho um ódio de estimação pela
astrologia, como se nota. (risos)
Acredita em Deus?
Não. A melhor maneira de ser ateu é andar num colégio de
padres (Pedro Ré frequentou durante algum tempo o Colégio Marista de
Carcavelos). (risos) Não acredito nas divindades nem na predestinação.
Os seus namoros foram sempre ao luar e a ver as estrelas?
Quase sempre. Também tem que se escolherem as pessoas que
gostam destas coisas da biologia e astronomia como eu.
Os seus filmes e livros preferidos são do género da Guerra
das Estrelas, Guerra dos Mundos, Alien...?
Reconheço que devia ter lido mais escritores clássicos. Li alguns,
mas não foram muitos. Grande parte das revistas ou livros que leio é tudo
coisas técnicas. O meu filme favorito é o Gladiador, por causa dos aspectos
históricos.
Como classifica alguém que consegue exercer a sua profissão
apenas das nove às cinco e meia, de segunda a sexta-feira, desligando-se
totalmente dela durante o resto do tempo?
Há aquele célebre provérbio chinês que diz “arranja uma
ocupação de que gostes e não trabalharás um único dia da tua vida”. Sou um
privilegiado porque faço aquilo que gosto. Compreendo que, para quem trabalhe
contrariado, o tempo custe muito a passar, mas isso nunca aconteceu comigo. Não
descanso ao dormir. Descanso ao mudar de atividade por isso tenho a biologia no
trabalho e a astronomia em casa.
“Já não precisamos mais estar na lua para saber o que se lá
passa”
Trabalha como professor universitário para sustentar a sua
paixão como astrônomo amador ou os seus trabalhos como astrónomo também lhe
rendem dinheiro?
O meu ordenado é ganho com o trabalho que faço na faculdade,
mas também ganho dinheiro com a astronomia. Publiquei cinco livros de
astronomia que vão dando direitos de autor, embora tenha optado, há pouco
tempo, por prescindir deles. Tenho dedicação exclusiva na faculdade onde
trabalho e para poder ter direito às duas coisas tinha que me instituir como
profissional livre. Decidi abdicar dos direitos de autor.
Com duas atividades tão absorventes como arranja tempo para
a família e os amigos?
É uma questão de organização e costumo dizer que sou
estupidamente organizado, tem que ser. Arranja-se sempre tempo para a família,
embora a família também tenha que entender esta paixão.
As viagens de férias são planeadas a pensar apenas no lazer
ou têm sempre em conta os melhores locais para observar os astros ou fazer
mergulho?
As viagens são sempre planeadas para fazer ou explorações subaquáticas
ou fotografia astronômica. É impensável ir visitar uma cidade. Se gosto de
natureza não me vou ‘enfiar’ numa cidade. Já visitei Paris ou Nova Iorque, mas
não me diz nada. A motivação é estar sempre em contato com a natureza.
Um biólogo para ser bom biólogo tem que ser também
mergulhador?
Não. O mergulho é um desporto. Já mergulho desde 1973. Hoje
existem muito melhores condições para mergulhar. Mergulho também pelas
fotografias. Conseguimos excelentes fotografias do fundo do mar.
Qual é o melhor ponto do mundo para observar o céu?
O deserto de Atacama, no Chile, onde agora está a ser
construído o Observatório de Alma, a cinco mil metros de altitude. São dezenas
de antenas com radiotelescópios que nos vão permitir uma série de coisas. Já
fui lá umas cinco ou seis vezes. Não é barato chegar lá, mas vale muito a pena.
Que opinião tem do Centro de Ciência Viva de Constância?
É um óptimo espaço de divulgação da astronomia para explicar
aos mais novos o Sistema Solar e as Galáxias. É importante ter um espaço destes
fora das grandes cidades. Alguns equipamentos que possuem podem não ter sido os
mais bem escolhidos, mas isso é normal.
Portugal é um palco privilegiado para observar o céu?
Portugal é talvez um dos poucos locais na Europa onde temos
mais noites limpas por ano. Está sempre limpo. As pessoas ficam admiradas por
eu observar o sol e o céu quase todos os dias porque não é habitual. Mas temos
o problema da poluição luminosa que é desregrada.
Poluição luminosa?
A eletricidade é necessária mas a luz é mal direcionada. Há
um gasto brutal de eletricidade que apenas serve para iluminar o céu, que não
precisa ser iluminado. O que interessa iluminar é o chão, mas a maior parte da
luz está apontada para o céu.
Já poderíamos ter colonizado a Lua?
Sempre se disse que iria haver uma base na Lua e o projeto
da estação internacional foi muito interessante, mas tudo isso teve problemas
de financiamento. Com os projetos que agora foram desenvolvidos, com
observações feitas com telescópios espaciais, não é preciso estar ninguém na
Lua.
Também esteve acordado na noite de 20 de Julho de 1969 para
ver as primeiras imagens do astronauta americano Neil Armstrong a pisar a Lua?
Duvidou do que estava a ver?
Lembro-me de ser miúdo e estar em frente à televisão,
entusiasmado, a ver aquilo. As imagens eram horríveis, mas nunca tive dúvidas
de que aquilo estava mesmo a acontecer.
Tem o sonho de ir à Lua? Já pensou participar naquela viagem
à lua organizada pela empresa do patrão da Virgin?
Nunca tal coisa me passou pela cabeça. O meu país não deixou,
como diz uma letra da música do Tim, dos Xutos e Pontapés. (risos). Isso é
muito caro. Mas há uma coisa que gostava de fazer que fosse mergulhar num
submersível que vai muito fundo no Oceano. É a coisa mais próxima de ir numa
nave espacial.
A exploração de Marte entusiasma-o?
Sem dúvida. Nos próximos 20, 30 anos saberemos se existe
vida unicelular e será uma enorme diferença se descobrirmos bactérias ou vírus
em Marte. De certeza que vamos encontrar. Se descobrirmos vida noutros
satélites ou planetas do Sistema Solar vai ser uma enorme revolução.
Astronomia é viciante
Pedro Ré nasceu a 24 de Dezembro de 1956 e licenciou-se em
Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tirou o
doutoramento em Biologia Marinha na mesma universidade, onde dá aulas há 37
anos. É astrónomo amador e é o presidente da Associação Portuguesa de
Astrónomos Amadores. Desde a década de setenta que está ligado à região de
Santarém onde tem uma casa que utiliza aos fins de semana e nas férias e o seu
observatório astronómico particular. Por toda a sua casa há telescópios. Até na
cozinha. Na sala estão pendurados vários registos fotográficos do espaço. É
através de um computador que controla remotamente os telescópios que tem no
amplo quintal. Considera a astronomia fascinante e viciante.
Diz que o facto de ter estudado sete anos num colégio inglês
[dos três aos dez anos] aprimorou a sua pontualidade. Detesta atrasos. Garante
ser entusiasmante dar aulas para um auditório com cerca de 250 alunos.
Separado, tem uma filha com 25 anos que se está se formando em medicina veterinária e que também gosta de astronomia embora prefira o
mergulho, sendo frequente acompanhar o pai nas aventuras subaquáticas. Resistiu
durante algum tempo à rede social Facebook, mas rendeu-se porque, garante, é
uma ótima ferramenta de trabalho. “É importante porque estamos em contato com
o mundo e para sabermos o que está a acontecer vamos lá. Também há muito ‘lixo’
mas é quase impossível vivermos sem as redes sociais”, explica.
Fonte: O Mirante
ENTREVISTA
O que é que procura no céu?
A minha motivação é a fotografia. No sol está sempre tudo a
mudar enquanto numa galáxia raramente vemos modificações a não ser que tenha
explodido uma estrela, que explodiu muitas vezes antes de existir Homem na
terra e só agora chega cá a luz. É essa janela no tempo que me interessa ver.
Gosto de registar o sol, a lua, planetas, galáxias, supernovas, cometas. Não me
interessa ter fotografias muito bonitas. O que pretendo é determinar a
magnitude ou fazer determinadas medições.
Usa o telescópio todas as noites para observar o céu?
Se vivesse no campo utilizava o telescópio todos os dias.
Também é verdade que hoje, com as técnicas que existem, já não é preciso ir
para a rua. Controlo tudo remotamente pelo computador que tenho em casa. De
Inverno ou Verão.
Já descobriu ou participou na descoberta de uma nova
estrela, constelação ou planeta?
Não é que não tenha tentado. Uma das coisas que me interessa
é o estudo das supernovas. As estrelas que explodem nas galáxias e que são do
ponto de vista evolutivo, extremamente interessantes. É por existirem
supernovas que nós existimos. Nós somos poeiras das estrelas, mas também somos
filhos das supernovas porque se não houvesse essas explosões os elementos
fundamentais para a vida não existiam.
É biólogo de profissão e astrónomo amador. Há alguma ligação
entre essas duas áreas?
Para mim a ligação é a fotografia. Adoro fotografar. Faço
fotografia tanto para o trabalho de investigação na biologia como na
astronomia. Muitas das técnicas que se utilizam em processamento digital de imagem,
usam-se tanto com microscópio como com telescópio.
Descobriu a astronomia primeiro que a biologia ou foi ao
contrário?
Descobri a astronomia muito cedo. O meu pai, que era médico,
sempre se interessou por astronomia. Comprava muitos livros sobre astronomia.
Eu devia ter uns 12, 13 anos quando ele comprou um telescópio. A partir dessa
altura comecei a descobrir o mundo da astronomia através do telescópio e nunca
mais parei. Mas foi sempre um hobbie.
Mas não é um hobbie qualquer?!
Sou astrónomo amador e faço tudo por carolice, por prazer. O
que me interessa mais fotografar são galáxias, supernovas, o sol. É o que tenho
feito nos últimos tempos. Isso é que tem interesse científico e muitos desses
dados podem, e devem ser divulgados para serem trabalhados por astrónomos
profissionais. Quando os astrónomos amadores possuem equipamentos sofisticados,
como é o meu caso, os profissionais já nos solicitam observações. Isso é que me
dá gozo, participar em projetos de cooperação entre profissionais e amadores.
Algumas das minhas fotografias podem ser interessantes do ponto de vista
científico.
Consegue ver com os seus equipamentos a lixeira,
nomeadamente de satélites, que o homem colocou no espaço nos últimos anos?
Não há praticamente nenhuma vez que não apanhe um satélite
nas fotografias que faço. Mas nunca vi nenhum Óvni [Objeto Voador Não
Identificado]. Nunca vi nada que não se possa explicar.
Acredita na existência de extraterrestres?
Acredito que, de certeza, existe vida no Universo. Falar em Óvnis
é que não faz qualquer sentido. É falta de cultura científica. Se me puserem um
Óvni no laboratório eu acredito. (risos)
A lixeira que vê no espaço é mais ou menos impressionante
que a lixeira que o homem depositou no fundo dos oceanos?
No fundo dos oceanos é bem pior. A lixeira que existe no
espaço resume-se a satélites, restos de instrumentos que foram enviados para
fora da atmosfera. No fundo dos oceanos é um problema gravíssimo que não sei
como se vai resolver. Se juntarmos a isso a questão das mudanças climáticas
globais e o aumento gradual da temperatura, a situação é mesmo muito grave.
Ainda há lugares limpos nos oceanos?
Por incrível que possa parecer ainda há alguns locais onde
mergulho a muitos anos, que são completamente virgens e é um espetáculo
fantástico estar em contato com a natureza naquele estado tão puro.
“Todos os cálculos feitos pelos astrólogos estão
completamente errados”
Os astrólogos baseiam-se na teoria de que os astros
influenciam os nossos comportamentos. Isso tem alguma sustentação científica?
Todos os cálculos feitos pelos astrólogos estão
completamente errados. Por exemplo, eu nasci a 24 de Dezembro, sou do signo
Capricórnio. Se for a um dos programas de computador onde os astrólogos fazem o
Mapa Astral e verificar onde estava o sol na hora e dia em que eu nasci não
está no signo de Capricórnio. Os astrólogos não entram em consideração com uma
coisa que se chama “precessão dos equinócios”. São contas feitas de há dois mil
anos para cá e está tudo errado. A pessoa que me ajudou a nascer teve maior
influência na minha vida do que Marte ou Vénus juntos.
Acredita que se tivesse nascido noutro dia ou no mesmo dia
com uma hora de diferença, seria outra pessoa?
Isso não faz qualquer sentido. É verdade que existem pessoas
extremamente inteligentes como o Fernando Pessoa, por exemplo, que fez vários
mapas astrais, e acreditava na astrologia. Uma pessoa que tenha a mínima
formação científica não pode acreditar nessas coisas. Existe a influência de
alguns fenómenos, como a lua nas marés ou o clima, agora os astros determinarem
a vida de cada pessoa é uma crendice. Tenho um ódio de estimação pela
astrologia, como se nota. (risos)
Acredita em Deus?
Não. A melhor maneira de ser ateu é andar num colégio de
padres (Pedro Ré frequentou durante algum tempo o Colégio Marista de
Carcavelos). (risos) Não acredito nas divindades nem na predestinação.
Os seus namoros foram sempre ao luar e a ver as estrelas?
Quase sempre. Também tem que se escolherem as pessoas que
gostam destas coisas da biologia e astronomia como eu.
Os seus filmes e livros preferidos são do género da Guerra
das Estrelas, Guerra dos Mundos, Alien...?
Reconheço que devia ter lido mais escritores clássicos. Li alguns,
mas não foram muitos. Grande parte das revistas ou livros que leio é tudo
coisas técnicas. O meu filme favorito é o Gladiador, por causa dos aspectos
históricos.
Como classifica alguém que consegue exercer a sua profissão
apenas das nove às cinco e meia, de segunda a sexta-feira, desligando-se
totalmente dela durante o resto do tempo?
Há aquele célebre provérbio chinês que diz “arranja uma
ocupação de que gostes e não trabalharás um único dia da tua vida”. Sou um
privilegiado porque faço aquilo que gosto. Compreendo que, para quem trabalhe
contrariado, o tempo custe muito a passar, mas isso nunca aconteceu comigo. Não
descanso ao dormir. Descanso ao mudar de atividade por isso tenho a biologia no
trabalho e a astronomia em casa.
“Já não precisamos mais estar na lua para saber o que se lá
passa”
Trabalha como professor universitário para sustentar a sua
paixão como astrônomo amador ou os seus trabalhos como astrónomo também lhe
rendem dinheiro?
O meu ordenado é ganho com o trabalho que faço na faculdade,
mas também ganho dinheiro com a astronomia. Publiquei cinco livros de
astronomia que vão dando direitos de autor, embora tenha optado, há pouco
tempo, por prescindir deles. Tenho dedicação exclusiva na faculdade onde
trabalho e para poder ter direito às duas coisas tinha que me instituir como
profissional livre. Decidi abdicar dos direitos de autor.
Com duas atividades tão absorventes como arranja tempo para
a família e os amigos?
É uma questão de organização e costumo dizer que sou
estupidamente organizado, tem que ser. Arranja-se sempre tempo para a família,
embora a família também tenha que entender esta paixão.
As viagens de férias são planeadas a pensar apenas no lazer
ou têm sempre em conta os melhores locais para observar os astros ou fazer
mergulho?
As viagens são sempre planeadas para fazer ou explorações subaquáticas
ou fotografia astronômica. É impensável ir visitar uma cidade. Se gosto de
natureza não me vou ‘enfiar’ numa cidade. Já visitei Paris ou Nova Iorque, mas
não me diz nada. A motivação é estar sempre em contato com a natureza.
Um biólogo para ser bom biólogo tem que ser também
mergulhador?
Não. O mergulho é um desporto. Já mergulho desde 1973. Hoje
existem muito melhores condições para mergulhar. Mergulho também pelas
fotografias. Conseguimos excelentes fotografias do fundo do mar.
Qual é o melhor ponto do mundo para observar o céu?
O deserto de Atacama, no Chile, onde agora está a ser
construído o Observatório de Alma, a cinco mil metros de altitude. São dezenas
de antenas com radiotelescópios que nos vão permitir uma série de coisas. Já
fui lá umas cinco ou seis vezes. Não é barato chegar lá, mas vale muito a pena.
Que opinião tem do Centro de Ciência Viva de Constância?
É um óptimo espaço de divulgação da astronomia para explicar
aos mais novos o Sistema Solar e as Galáxias. É importante ter um espaço destes
fora das grandes cidades. Alguns equipamentos que possuem podem não ter sido os
mais bem escolhidos, mas isso é normal.
Portugal é um palco privilegiado para observar o céu?
Portugal é talvez um dos poucos locais na Europa onde temos
mais noites limpas por ano. Está sempre limpo. As pessoas ficam admiradas por
eu observar o sol e o céu quase todos os dias porque não é habitual. Mas temos
o problema da poluição luminosa que é desregrada.
Poluição luminosa?
A eletricidade é necessária mas a luz é mal direcionada. Há
um gasto brutal de eletricidade que apenas serve para iluminar o céu, que não
precisa ser iluminado. O que interessa iluminar é o chão, mas a maior parte da
luz está apontada para o céu.
Já poderíamos ter colonizado a Lua?
Sempre se disse que iria haver uma base na Lua e o projeto
da estação internacional foi muito interessante, mas tudo isso teve problemas
de financiamento. Com os projetos que agora foram desenvolvidos, com
observações feitas com telescópios espaciais, não é preciso estar ninguém na
Lua.
Também esteve acordado na noite de 20 de Julho de 1969 para
ver as primeiras imagens do astronauta americano Neil Armstrong a pisar a Lua?
Duvidou do que estava a ver?
Lembro-me de ser miúdo e estar em frente à televisão,
entusiasmado, a ver aquilo. As imagens eram horríveis, mas nunca tive dúvidas
de que aquilo estava mesmo a acontecer.
Tem o sonho de ir à Lua? Já pensou participar naquela viagem
à lua organizada pela empresa do patrão da Virgin?
Nunca tal coisa me passou pela cabeça. O meu país não deixou,
como diz uma letra da música do Tim, dos Xutos e Pontapés. (risos). Isso é
muito caro. Mas há uma coisa que gostava de fazer que fosse mergulhar num
submersível que vai muito fundo no Oceano. É a coisa mais próxima de ir numa
nave espacial.
A exploração de Marte entusiasma-o?
Sem dúvida. Nos próximos 20, 30 anos saberemos se existe
vida unicelular e será uma enorme diferença se descobrirmos bactérias ou vírus
em Marte. De certeza que vamos encontrar. Se descobrirmos vida noutros
satélites ou planetas do Sistema Solar vai ser uma enorme revolução.
Astronomia é viciante
Pedro Ré nasceu a 24 de Dezembro de 1956 e licenciou-se em
Biologia pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tirou o
doutoramento em Biologia Marinha na mesma universidade, onde dá aulas há 37
anos. É astrónomo amador e é o presidente da Associação Portuguesa de
Astrónomos Amadores. Desde a década de setenta que está ligado à região de
Santarém onde tem uma casa que utiliza aos fins de semana e nas férias e o seu
observatório astronómico particular. Por toda a sua casa há telescópios. Até na
cozinha. Na sala estão pendurados vários registos fotográficos do espaço. É
através de um computador que controla remotamente os telescópios que tem no
amplo quintal. Considera a astronomia fascinante e viciante.
Diz que o facto de ter estudado sete anos num colégio inglês
[dos três aos dez anos] aprimorou a sua pontualidade. Detesta atrasos. Garante
ser entusiasmante dar aulas para um auditório com cerca de 250 alunos.
Separado, tem uma filha com 25 anos que se está se formando em medicina veterinária e que também gosta de astronomia embora prefira o
mergulho, sendo frequente acompanhar o pai nas aventuras subaquáticas. Resistiu
durante algum tempo à rede social Facebook, mas rendeu-se porque, garante, é
uma ótima ferramenta de trabalho. “É importante porque estamos em contato com
o mundo e para sabermos o que está a acontecer vamos lá. Também há muito ‘lixo’
mas é quase impossível vivermos sem as redes sociais”, explica.
Fonte: O Mirante